Palavras extraviadas


Algumas palavras são como cartas extraviadas, não encontram o caminho de chegada ao seu destinatário. E assim como estas cartas, que entulham de papéis perdidos as caixas de correios, também acontece com as palavras extraviadas, estas entulham o dentro da gente obstruindo o fluxo da vida. A gente passa a viver meio que engasgado, nem cheio nem vazio, nem vivo nem morto. 

Algumas destas palavras são pesadas de dor, sangram sem alívio. Mas, há também as que guardam outros sentimentos, bons, e que mesmo interditados são como alento, raio de sol em dias nublados. E é especialmente a estas que quero dar lugar, agora, nesta carta que ainda não conseguiu chegar ao seu destinatário. 

Ao destinatário: 

Por pelo menos duas vezes você indagou meu sentimento por você, quis saber se o amo, se o que sinto é amor. E em ambas as situações optei por não nomear este sentimento, tirei o corpo fora. Em parte por medo de matá-lo (e de morrer junto), mas muito por não saber claramente que nome dar. É difícil descrever a água enquanto se está mergulhado nela, o que a gente consegue fazer é sentir o toque dos seus movimentos e registrá-lo na memória. 

Mas, de uns tempos pra cá, alguma coisa mudou e algo em mim parece requerer sua dignidade de existente. Parece ser o meu sentir reivindicando seu direito de existir, de ter um corpo, uma palavra que o abarque, ainda que não completamente; Um lugar, ainda que imperfeito. Chega de tentar matar (e de morrer). Preciso arriscar deixar viver...

Então, quero que saiba: o nome pode ter várias letras e combinações, não cabe numa palavra só. Mas dele consigo traduzir uma espécie de traço genético, herdado de quando teve a forma de paixãozinha e se fez cultivar num vaso de flor, ou mesmo dos tropeços e olhares desastrados. 

Dia destes, aprendi que sentimento vem de sentimento. Ou seja, não existe nem se assina em uma via só. Com isso, lembrei-me de você dizendo que me gostou primeiro... Ok. Dessa corrida não saberia dizer quem chegou na frente, mas reconheço que você foi quem soube antes. Eu adiei o saber, na tentativa de evitar que acabasse. Eu sei, é uma matemática meio atrapalhada, mas era a que meu medo sabia calcular. Acho que não deu certo. Na hora da prova a conta não fechou. 

Agora, entendi: se algo se inscreveu aqui, você pode ler daí, e já leu (que eu sei). O que faltava, mesmo, era que eu também lesse e reescrevesse.  Pois bem, aqui está o registro, feito e assinado por mim. 


_Aline /B., 
Sjdr, 06/03/2017.

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